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Os enforcados de Chicago, tela produzida pela Escola Livre de Ciências Humanas e Artes em 2009.
1- EUA: breve história do século XIX
Durante a Guerra de Independência (1763-1783), o território dos Estados Unidos era formado por treze estados, as antigas colônias inglesas. Em 1860, esse número subiu para trinta e cinco, revelando o rápido crescimento populacional e o intenso progresso das comunicações e da indústria. A expansão econômica, porém, se dava de forma desigual. A industrialização do norte e o agrarismo do sul não se tornaram complementares, mas fatores de contradição.
Neste ínterim também pesou a questão da escravatura. A abolição do tráfico em 1807 não impediu o desenvolvimento da escravidão na produção algodoeira sulista, que exigia mão-de-obra servil e numerosa em suas plantations. E ao norte, os quarkers[1] já faziam campanha abolicionista de longa data. Aqui entra a disputa pelos estados a oeste da União.
"O Sul tinha necessidade dessas terras novas para ampliar o reino do algodão, cuja cultura extenuava o solo; colonizou o Arkansas, subiu até o Missouri. Mas a terra nada significava para o Sul sem a faculdade de usar os escravos no cultivo; portanto, daí se originou a campanha sulista para tentar fazer com que esses novos Estados adotassem constituições admitindo a escravatura. Foi então a vez do Norte temer por suas próprias instituições. A introdução da escravatura nos novos Estados seria, em curto prazo, a expulsão dos agricultores livres. Iniciou-se uma corrida de velocidade entre os dois grupos de Estados, cuja meta era a maioria no Senado, onde cada Estado, antigo ou novo, dispunha de duas cadeiras" (Rémond, 1989, 60).
O conflito entre Sul e Norte deu grande importância à eleição presidencial, da qual sairia o sucessor de Buchanan, eleito em 1856. Os democratas não encontram consenso. No Sul apresentam o candidato Breckinridge, que defendia uma legislação escravocrata e no Norte lançam o senador Douglas, de Illinois, que pretendia estabelecer acordos com o Sul. O Partido Republicano escolhe um advogado, Abraham Lincoln, apoiado pelo Norte e pelo Oeste. Um quarto candidato, Bell, apresenta-se entre os pleiteantes. A vitória de Lincoln, com 40% dos votos, causou a dissidência de vários estados escravistas do Sul. Um exemplo é a Carolina do Sul, que tomou a iniciativa em 12 de dezembro de 1860, antes mesmo da posse do novo presidente.
Os dissidentes constituíram uma nova unidade política, os Estado Confederados. Ao tomar posse, Lincoln questiona aos secessionistas o direito de romper com a União. A secessão ainda não era a guerra, mas esta começa também por iniciativa do Sul, que a 12 de abril de 1861 abre fogo contra o Fort Sumter ocupado por tropas federais.
"Por sua duração e amplitude, a Guerra de Secessão prenunciou as grandes guerras do século XX: ela já constituiu uma guerra total, do tipo em que os adversários empenham todos os seus recursos e todas as suas forças. Alinhou efetivos consideráveis – dois milhões de homens para o Norte, 700 mil e um milhão para o Sul –, cujo equipamento, abastecido em material, munições, subsistência, criaram para os estados-maiores e para os governos problemas delicados e mobilizaram todos os recursos da economia" (Ibid., 65).
Após os quatro anos de guerra o sul é derrotado, e com isso há uma forte pressão pelo fim da escravatura. A libertação do trabalho escravo, juntamente com a volta de soldados à vida civil, aumenta a necessidade por novos empregos, gerando uma pressão pela diminuição das horas diárias de trabalho nas fábricas. Além disso, o pós-guerra é marcado por grande avanço demográfico estimulado pelo movimento de imigração, pela investida para o oeste e pela industrialização. Entre 1820 e 1860 a população passa de 9,6 milhões a 31,3 milhões, e em 1910 sobe para 92 milhões, na sua maioria irlandeses, alemães e escandinavos. São a mão-de-obra fundamental das nascentes fábricas norte-americanas, concentradas ao norte da União.
Vejamos:
"Nas vésperas da Guerra de Secessão, [a economia americana] mal conseguia eliminar seu atraso em relação à Europa ocidental: a guerra precipitou o movimento. Os Estados Unidos reuniam um conjunto de trunfos naturais (descobriu-se nas Rochosas uma grande quantidade de jazidas de minérios; em breve seria o petróleo), extensão do mercado interno, com dimensões continentais, sem alfândegas interiores e protegido por tarifas, afluxo de capitais e de trabalhadores estrangeiros" (Ibid., 75).
A condição dos trabalhadores na América do Norte era idêntica à dos europeus: horas intermináveis de trabalho e salários que não garantiam os meios de subsistência. A miséria começava a evidenciar-se de maneira ampla, através das primeiras greves. Em 1827, na Filadélfia, carpinteiros, pedreiros, marceneiros e vidraceiros realizam a primeira greve e criam a União das Associações de Trabalhadores de Filadélfia (Union of Trade Association of Philadelphia). Pode-se dizer que é o início da formação do movimento sindical norte-americano.
A partir de então, ocorrem encontros operários e os sindicatos começam a discutir a questão da jornada de trabalho. Em 1845 ocorre o primeiro congresso operário norte-americano, em sua plataforma há a defesa de dez horas diárias de trabalho para todos (em 1842 os estados de Massachusetts e Connecticut assinaram a lei de dez horas diárias de trabalho para as crianças). É aceita pelo estado de Hapshire, mas torna-se letra morta. Em agosto de 1866, o Congresso Operário de Baltimore chega à conclusão de que a primeira e grande necessidade é a promulgação da lei de oito horas de jornada em todos os estados da União Norte Americana. Esta é a mesma posição da Internacional em seu congresso em Genebra. Em 25 de junho de 1868, o Senado americano aprova lei Ingersoll, determinando oito horas de trabalho para todos os empregados da União. Será letra morta devido às exigências particulares que cada fábrica fará aos seus trabalhadores para que trabalhem mais de oito horas. As jornadas continuam as mesmas.
Em 1877 há uma paralisação do sistema de transportes, exigindo as oito horas diárias. Trinta trabalhadores são mortos pela agência Defensores da Ordem. Criada por Nat Pinkerton, antes especializada em caçar criminosos pelo oeste, agora tal agência torna-se famosa por colaborar com patrões e polícia na repressão ao movimento operário.
2- O Primeiro de Maio de 1886
Surge como grupo secreto, em 1869, os Cavaleiros do Trabalho (Knights of Labor), e em 1886 chega a possuir mais de 700 mil aderentes. A AFL (American Federation of Labor) nasce em 1881, com caráter corporativo e reivindicatório. Entre suas propostas, as 8 horas de jornada, melhores salários e melhores condições de educação para as massas.
Em novembro de 1884 a AFL promove um congresso em Chicago. É aprovado em assembléia que a partir de 1º de maio de 1886 sejam automaticamente paralisados os serviços nos locais em que os patrões não aceitam as 8 horas diárias. Para atingir esse objetivo propõe-se uma greve geral nacional.
"O mais provável é que essa data estivesse ligada ao fato de que nos Estados de Nova York e Pensilvânia esse dia era chamado de moving day, isto é, a data em que se celebravam os contratos de trabalho. Isto explicaria também o porquê do longo tempo que se passou entre a decisão de realizar a greve e a sua execução: para dar não só tempo aos sindicatos se organizarem, mas também aos patrões para reestruturarem suas empresas com um horário de funcionamento diferente de modo a chegar ao dia do contrato coletivo em condições de aceitar as oito horas" (Del Roio, 1986, 64).
A AFL e os Cavaleiros do Trabalho têm a seu favor um longo tempo para a preparação de todas as categorias de trabalhadores em todo o território nacional: um ano e meio. As resoluções do congresso de Chicago causaram um duro debate; foram radicais e difíceis de serem colocadas em prática. Porém, já em abril de 1886, explodem greves violentas em diversas localidades, vários empresários cedem e aceitam assinar contratos de oito horas. Os sindicatos lançam a palavra de ordem unitária:
A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de 8 horas por dia.
Oito horas de trabalho!
Oito horas de repouso!
Oito horas de educação!
Ao 1º de maio de 1886, centenas de milhares de pessoas abandonam as fábricas em manifestações nos principais centros urbanos, ouve-se variadas línguas que denunciavam as origens dos imigrados. Chicago foi o principal campo de batalha.
"Essa cidade, que se encontra ao sul do lago Michigan, constantemente coberta por neblina natural ou proveniente das chaminés das fábricas, está na vanguarda do capitalismo americano. Ali os operários são usados de quatorze a dezesseis horas por dia, vivem jogados em sórdidos becos e são considerados como cães por uma burguesia opulenta, prepotente, racista e religiosamente fanática" (Ibid., 58).
Jornais burgueses, nas semanas que antecederam o 1º de maio, publicaram uma série de artigos ameaçadores. Lê-se no Chicago Times:
"A prisão e o trabalho forçado são a única solução possível para a questão social. É necessário que esses meios sejam mais usados (...). O único jeito de curar os trabalhadores do orgulho é reduzi-los a máquinas humanas, e o melhor alimento que os grevistas podem ter é o chumbo" (Ibid., 58).
Chicago também era na época um dos principais pontos anarquistas da América do Norte. Há a publicação de jornais operários importantes em língua alemã, pois é muito grande o número de imigrantes advindos dos Estados Germânicos. Temos o Arbeiter Zeitung, dirigido por August Spies, e Verboten, dirigido por Michel Schwab. Em língua inglesa havia o Alarm, dirigido por Albert Parsons, um dos mais prestigiosos líderes sindicais e fundador da Central Union.
Amanheceu silencioso o sábado, 1º de maio de 1886, em Chicago. Fábricas, transportes e comércio estavam paralisados. Entretanto circulam os jornais burgueses, e no editorial do Mail há acusações contra Spies e Parsons, pedindo que as autoridades os considerem responsáveis por algo que possa acontecer fora da ordem naquele dia.
O silêncio é rompido por uma passeata que surge na avenida Michigan rumo à praça Haymarket, com dezenas de milhares de trabalhadores junto de suas famílias. Abrem a marcha Parsons e sua família, em volta os dirigentes da AFL e dos Cavaleiros do Trabalho. Seguem-se as diversas colônias de imigrantes em seus trajes típicos: alemães, poloneses, russos, italianos, irlandeses, etc. No alto dos edifícios e nas esquinas, estão os homens da Guarda Nacional e da Agência Pinkerton. A multidão se dispersa pacificamente após um comício em que discursam oradores de diversas nacionalidades.
Segunda-feira, dia 3 de maio, a greve continua em muitos estabelecimentos. A tragédia começa diante da fábrica McCormick Harvester, quando a polícia dispara matando seis operários, ferindo cinquenta e prendendo dezenas deles. Spies, ao saber do ocorrido, apela para uma concentração a ser realizada no dia seguinte à tarde, e pede para que os trabalhadores levem seus filhos. O editorial do Arbeiter Zeitung estampa: “A guerra de classes começou... Quem pode negar que os tigres que nos governam estão ávidos de sangue dos trabalhadores... Melhor a morte que a miséria” (Del Roio, 1986, 60).
No dia seguinte, ao cair da noite, na mesma praça Haymarket, os trabalhadores se reúnem para chorar seus mortos. Entretanto, um banho de sangue maior ainda estava prestes a ocorrer.
"Os oradores são Spies, Parsons e Sam Fielden. Eles pedem calma e incitam todos a continuar a luta unidos e compactos. Quando a concentração começa a dispersar-se, um grupo de 180 policiais ataca com violência, espancando, pisoteando, ferindo a todos indistintamente. Nesse instante uma bomba, vindo não se sabe de onde, estoura no meio dos guardas. Uns 60 caem feridos, vários morrerão em seguida em consequência das lesões. É o sinal da carnificina. Reforços chegam e começam a atirar em todas as direções. Centenas de pessoas de todas as idades caem. O sangue ensopa as pedras das ruas. Os gritos dos feridos cobrem os suspiros dos moribundos. Em poucos minutos tudo termina.
Nunca se conseguiu apurar quantos foram os mortos daquele maldito dia, pois os corpos foram enterrados às escondidas. É decretado estado de sítio e a proibição de sair às ruas. Milhares de trabalhadores são presos, muitas sedes sindicais incendiadas. Grupos de facínoras, pagos pelos patrões, invadem as pobres casas espancando e destruindo as poucas coisas e as pessoas que encontram" (Ibid., 60-1).
Sete líderes sindicais foram presos: August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e Georg Engel. Vão a julgamento no dia 21 de junho de 1886. Logo no início do julgamento, apresenta-se Albert Parson – que havia escapado da prisão – pedindo para ser “processado junto de meus companheiros inocentes”. Um dos jurados do tribunal, liderado pelo juiz Joseph Gary, diz: “Que sejam enforcados. São homens demais desenvolvidos, demais inteligentes, demais perigosos para os nossos privilégios” (Ibid., 61).
A sentença é lida a 9 de outubro e determina condenação de morte para Parsons, Lingg e Spies; prisão perpétua para Fielden e Schwab; e quinze anos de cárcere para Neeb. Na sala onde é lida a sentença, Neeb pede para ser enforcado junto com seus companheiros, já que ele não é menos inocente que os outros, pois cometeu, diz ele, o mesmo crime de todos ao exigir oito horas de trabalho e folga aos domingos. Spies faz sua última defesa:
"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário – este movimento do qual milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção –, se esta é a sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo" (Ibid., 62).
Parsons diz:
"Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão. (...) A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este e não outro é o objetivo do socialismo" (Ibid., 62).
Um mês depois, no dia 11 de novembro de 1886, Spies, Engel, Fischer e Parsons são enforcados. Lingg não está entre eles, pois suicidara. Apesar do aparato repressor, seis mil trabalhadores conseguem carregar os corpos daqueles que seriam conhecidos como os mártires de Chicago. Há uma comoção silenciosa dentro das fábricas.
Seis anos depois dos assassinatos, o governador de Illinois, Atgeld, anula a sentença do julgamento de 1886 e liberta os três sobreviventes – Fielden, Neeg e Schwab – pressionado por uma grande onda de protestos contra a iniquidade do processo, acusando de infâmia o juiz e os jurados, e de falsas as testemunhas.
Em dezembro de 1888, a AFL realiza seu congresso para fazer um balanço dos últimos anos. Conclama o 1º de maio de 1886 como o início da luta pela jornada de oito horas, marcando uma nova greve geral para 1890.
3 - A Segunda Internacional
Ao centenário da Revolução Francesa, 14 de julho de 1889, realiza-se em Paris, por iniciativa do Partido Social-Democrata Alemão, o primeiro congresso da II Internacional, reunindo socialistas de diversos países. Após uma semana de debates, o belga Raymond Lavigne encaminha à mesa uma proposta:
"Será organizada uma grande manifestação internacional com data fixa, de maneira que em todos os países e cidades, ao mesmo tempo, os trabalhadores imponham aos poderes públicos a redução legal da jornada de trabalho a oito horas e a aplicação das outras resoluções do Congresso Internacional de Paris.
Considerando que uma manifestação similar já havia sido marcada para o 1º de maio de 1890, pela American Federation of Labor (AFL), no congresso de 1888 (...) tal data é adotada para a manifestação internacional.
Os trabalhadores das diversas nações deverão realizar manifestações nas condições que serão impostas pela situação específica dos seus países."(Ibid., 82-3).
A proposta é aprovada por unanimidade e a resolução deixa a cada país a escolha da melhor atitude a adotar em função das diferentes condições dos diversos países. Além disso, a deliberação prevê o protesto somente para 1890, sem a pretensão de repeti-lo.
A Segunda Internacional caracteriza-se como uma “confederação de partidos”. Mesmo com uma diversidade de ideologias e práticas, conclama que seus partidos deveriam “perseguir a substituição da propriedade e da produção capitalistas pela propriedade e produção socialistas. Além disso, para se diferenciar da corrente anarquista e da corrente corporativista, esse congresso proclama que os partidos da Segunda Internacional devem reconhecer a necessidade da ação legislativa e parlamentar” (Lowy, 2000, 126).
Em 20 de fevereiro de 1890 realizaram-se eleições para o parlamento do Império Alemão, e o Partido Social-Democrata Alemão obteve o primeiro lugar na votação. Com essa vitória e a característica de ser uma Internacional de partidos políticos que valorizava a ação legislativa e parlamentar, pode-se compreender o apelo que os social-democratas fizeram à classe trabalhadora alemã. Com medo de causar ao governo provocações que pusessem o resultado das eleições em perigo, insiste-se para que se realizem atos que tenham amplo consenso, e que as greves sejam efetuadas somente se não houver conflitos. Este último pedido é algo impossível de se realizar. Outro fator é a determinação para se realizar festas.
Juntamente com o freio da Social-Democracia Alemã, o empresariado e governo alemão ameaçam despedir em massa aqueles que paralisarem a produção, promessa que será levada a cabo. Entretanto, as manifestações e greves no 1º de maio de 1890 foram consideráveis em todo o país.
Na Inglaterra também ocorreram inconvenientes para o movimento operário. Muitas organizações operárias eram controladas por tendências moderadas que procuravam impedir qualquer radicalização. Esta pressão foi tão grande que até mesmo setores combativos, liderados por Eleanor Marx e Edward Aveling, concordaram em mudar a data das manifestações do 1º de maio na quinta-feira, para o domingo, dia 4. Neste dia a concentração aconteceu no Hyde Park de Londres, e não deixou de ser gigantesca, estando presentes entre 250 e 300 mil pessoas.
A esse propósito, Engels escreveu a Laura Marx: “Posso garantir que, ao descer daquele velho e pesado carro que servira de tribuna, pareceu-me que eu havia aumentado de tamanho, porque pela primeira vez depois de quarenta anos senti de novo a voz inimitável do proletariado inglês” (Engels apud Del Roio, 1986, 86).
No primeiro de maio de 1890 sai mais uma edição do Manifesto Comunista em alemão. No prefácio de Engels pode-se ler:
“Proletários de todo o mundo, uni-vos!”. Somente poucas vozes responderam quando, há mais de quarenta e um anos, lançamos pelo mundo esse grito, às vésperas da primeira revolução parisiense na qual o proletariado avançou com reivindicações próprias. Todavia, a 28 de setembro de 1864 os proletários da maior parte dos países da Europa ocidental se uniram na Associação Internacional dos Trabalhadores, de gloriosa memória. A Internacional, é verdade, não viveu mais que nove anos. Contudo a melhor prova de que a eterna união que ela lançou entre os proletários de todos os países está ainda viva e mais forte que nunca é a jornada de hoje. Nesse momento, enquanto escrevo essas linhas, o proletariado europeu e americano desfila suas forças, pela primeira vez mobilizadas como um só exército, com uma só bandeira e por um só objetivo imediato: a conquista da lei da jornada normal de trabalho de oito horas, já proclamada no congresso da Internacional em Genebra, em 1866, e depois, pela segunda vez, no congresso operário de Paris em 1889. O espetáculo desse dia demonstrará claramente aos capitalistas e aos proprietários de terra que os proletários de todos os países estão realmente unidos.
Se ao menos Marx estivesse comigo para ver este espetáculo com os seus próprios olhos!" (Engels, 1998).
O primeiro de maio de 1890 ocorreu em muitos outros países europeus, e inclusive em três latino-americanos: Argentina, México e na capital de Cuba, Havana. Nos EUA o movimento operário efetuou diversas atividades, porém com desunião. Os seguidores da II Internacional fizeram atos à parte dos sindicatos corporativistas. Nos anos seguintes há um enfraquecimento ainda maior, já que a maioria dos sindicatos prefere o Labor Day, que cai na primeira segunda-feira do mês de setembro.
No congresso de 1891, em Bruxelas, a Internacional destaca o vigor de luta e o internacionalismo do primeiro de maio de 1890. Ao final do encontro aprova-se que a data seja permanente como “festa dos trabalhadores de todos os países, durante a qual o proletariado deve manifestar os objetivos comuns de suas reivindicações, bem como sua solidariedade.” (Del Roio, 1986, 89).
Eric Hobsbawm também aponta a determinação do internacionalismo presente na reivindicação das oito horas diárias, já que esse ponto da luta ultrapassava os governos nacionais.
"Na Inglaterra, os antigos sindicatos de meados da era vitoriana e o novo movimento operário dividiram-se, na década de 1880, essencialmente devido à questão da exigência de que fosse instituído um dia de oito horas por lei, e não por meio de negociações coletivas. Isto é, exigiam uma lei universal aplicável a todos os trabalhadores, uma lei por definição, nacional e mesmo, segundo a opinião da II Internacional, plenamente conscientes do significado da exigência, uma lei internacional. Essa agitação originou a provavelmente mais visceral e comovente instituição do internacionalismo da classe operária: as manifestações anuais de Primeiro de Maio, inauguradas em 1890" (Hobsbawm, 1998, 186).
E, ao tratar daquilo que chama de “rituais do operariado”, Hobsbawm cita o Primeiro de Maio como o “mais ambicioso dos rituais do operariado” (Hobsbawm, 1987, 111). A apresentação pública e regular da classe trabalhadora tornou-se uma das características essenciais do dia.
"O 1º de Maio foi planejado simplesmente como uma única manifestação simultânea internacional pela jornada legal de oito horas de trabalho. Podemos apenas especular o quanto de sua força como a da bandeira vermelha se deveu ao sentido de internacionalismo. As reivindicações públicas de raízes populares impuseram aos partidos e à Internacional a repetição anual. Além disso, foi através da participação pública que a demonstração se tornou um feriado tanto no sentido ritual, quanto no sentido festivo" (Ibid., 111-2).
Havia quem desconfiasse das festas e divertimentos, considerando-as dispersivas. Certamente, a reivindicação específica da jornada de oito horas caiu para segundo plano, a data passou a ser uma afirmação anual da força da classe trabalhadora através da greve de um dia. A potencialidade dessa força pode também ser percebida quando observamos os esforços daqueles que se opunham ao movimento para se apropriar da ocasião.
"(...) Hitler, em 1933, transformou o 1º de Maio em um feriado nacional oficial do operariado, seguido subsequentemente pelo Mercado Comum Europeu. Além disso, assim como Hitler conscientemente integrou o vermelho da bandeira socialista ao símbolo diferente da suástica, podemos observar que os nazistas nos anos 30 deliberadamente transformaram as imagens simbólicas do dia, consagradas à luta de classes, em imagens de cooperação de classe pela causa nacional." (Ibid., 113-4).
Atualmente no Brasil, vivemos um momento de ataque aos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora. O governo ilegítimo de Michel Temer pretende aprovar um pacote de medidas que significam um aumento da miséria e exploração dos mais pobres. Entre elas estão a reforma trabalhista que visa alterar mais de 200 dispositivos da CLT, a reforma previdenciária que aumentará a idade mínima para se aposentar e o tempo de contribuição necessário para receber um salário integral e também a reforma do ensino médio que intensificará o sucateamento das escolas frequentadas pelos filhos dos trabalhadores, além de ampliar a formação de mão de obra barata.
Diante deste cenário, estamos presenciando, em todo o país, um levante histórico da classe trabalhadora contra as reformas defendidas pelo governo Temer. Nas últimas semanas, foram organizadas greves gerais, passeatas e piquetes que mostram o poder combativo dos trabalhadores. É mais que urgente resgatar o espírito de luta que originou o 1º de Maio!
[1] Os quakers, denominação pejorativa que significa “trêmulos”, sugiram na Inglaterra por volta de 1652, como uma seita de tradição protestante denominada Sociedade dos Amigos, se opunham à Igreja Anglicana e ao calvinismo. Preconizavam o pacifismo, a pureza moral, a solidariedade e a vida simples e frugal.
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Hessois Auguste Spies, alemão, 31 anos, jornalista.
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Adolf Fischer, 30 anos, alemão, jornalista.
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Georg Engel, 50 anos, alemão, tipografo
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Albert Parsons, estadunidense, 39 anos, jornalista.
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Exposição da tela Os enforcados de Chicago, no 1º de maio de 2009, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo (SP).
Referências Bibliográficas
Marx, Karl, Engels, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.
Del Roio, José Luiz. 1º de Maio sua origem, seu significado e suas lutas. São Paulo: Global, 1986.
Hobsbawm, Eric J. A era dos impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 2ª edição.
______. Mundos do Trabalho; Novos Estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 2ª edição.
Rémond, René. História dos Estados Unidos. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Löwy, Michel. Nacionalismos e Internacionalismos - da época de Marx até nossos dias. São Paulo: Xamã, 2000.
Fernanda Pimentel
Graduada em Ciências Sociais pela CUFSA - Fundação Santo André