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  • Alan Peterson Lopes

Crises e Mercantilização da Natureza


No atual período, a discussão a cerca dos recursos naturais vem à tona representando um dos pilares desta nova crise do modo de produção capitalista. Esta crise, mais difundida como crise ambiental, é fortemente influenciada pela superprodução sem nenhum tipo de regulação que promova qualquer proteção e conservação destes recursos.

Considerando que toda história do meio geográfico parte das relações homem e natureza mediadas pela técnica (SANTOS, 2009), vivencia-se um período onde os próprios elementos da natureza, extrínsecos ao homem, tendem a se transformar em novas fontes de acumulação de capital, considerando que

"A busca de mais-valia ao nível global faz com que a sede primeira do impulso produtivo (que também é destrutivo, para usar uma antiga expressão de J. Brunhes) seja apátrida, extraterritorial, indiferente às realidades locais e também as realidades ambientais." (SANTOS, 2009, p. 253)

Mundialmente, novos valores são criados e atribuídos aos elementos naturais comprovando novamente a eficácia do sistema capitalista em contornar as próprias crises geradas. Estas são responsáveis pela criação de novos mecanismos de acumulação de capital com objetivo de sanar tal problema.

Estas novas mercadorias que são geradas a partir de um novo conjunto de ativos, os quais nem sequer resultaram de um processo produtivo, são conseqüências de um mecanismo denominado acumulação via espoliação (HARVEY, 2005).

Karl Marx já dizia em O Capital que a chamada acumulação primitiva de capital retira do trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, transformando em capital os meios sociais de subsistência e os de produção[1]. A acumulação via espoliação, que defende David Harvey, nada mais é que uma atualização deste conceito marxista. Neste processo, novos mercados reais de mercadorias fictícias procuram se institucionalizar.

O “capitalismo verde” ou “modernização ecológica” é um exemplo atual de como a natureza deixa “de ser apenas objeto de extração de valor de uso e se torne diretamente detentora de valor de troca, sem a necessidade de extração e consumo de recursos naturais” (IORIS, 2010, p. 217-218).

Tal premissa é facilmente comprovada hoje na Amazônia, no que concerne à água, ao ar e à vida (BECKER, 2007). Ou seja, com este novo mecanismo, a água passa a ter um custo pré-definido para seu uso, a vida gera valor através do patenteamento genético, enquanto o ar transforma-se em mercadoria através dos créditos de carbono.

Estes mercados (do ar, da água e da vida) são exemplos de instrumentos de uma tentativa e implementação de novas formas de governabilidade global que estabelecem um novo sistema de normas por instrumentos multilaterais visando regular as ações dos Estados nacionais numa dada questão (BECKER, 2007).

Dentre este novo sistema de normas, vigoram atualmente o conceito de usuário-pagador, como em nossa Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), defendendo exatamente o pagamento pelo uso da água, independentemente da finalidade e do tipo de captação. Este mecanismo, que segundo a premissa do governo busca a otimização dos usos da água e consequentemente o menor desperdício, traz uma nova racionalidade sobre tal recurso natural, a escassez.

Dada essa racionalidade de escassez que é difundida mundialmente, a estipulação de um valor sobre a água se mostra bastante fortificada, estabelecendo que o único modo de conservar tal recurso seria a cobrança pelo seu uso, ou seja, transformando-o em mercadoria.

E é em períodos de crise que essa mercantilização torna-se o caminho mais procurado pelo modo de produção capitalista, onde nada escapa a esta lógica, nem mesmo a natureza. Mais uma vez comprova-se aquilo que Marx dizia a esse respeito, o surgimento de uma segunda natureza, dotada de novos valores e controlada por uma pequena parcela de indivíduos, que atualmente se apresentam como as grandes empresas multinacionais.

Como exemplo disso, podemos citar o famoso vídeo do presidente da Nestlé (disponível no youtube) sobre a privatização da água. Neste, a única forma de preservação da água para ele é mercantilizá-la, seguindo a lógica de autorregulação de livre-mercado que já se demonstrou falida, por exemplo, no mercado imobiliário estadunidense em 2008.

Agora fica a questão, se esta lógica levou milhares de pessoas a perder suas moradias em um país desenvolvido como os Estados Unidos, o que acontecerá nos países subdesenvolvidos se mercantilizarmos e deixarmos os recursos naturais essenciais à sobrevivência humana sobre a lógica de livre-mercado, como a água?

[1] Alguns exemplos destes meios sociais de subsistência e de produção são: a terra, os alimentos, o vestuário e as ferramentas de trabalho.

Referências

BECKER, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. Vol. I, Tomo I e II. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. Tradução Carlos Szlak. Coordenação. Antônio Carlos Robert Moraes. São Paulo: Annablume, 2005.

IORIS, Antonio Augusto Rossoto. Da foz às nascentes: Análise histórica e apropriação econômica dos recursos hídricos no Brasil. In: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno (et al.). Capitalismo Globalizado e recursos territoriais: fronteiras da acumulação no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010;

SANTOS, M.A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção – 4ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009;

Alan Peterson Lopes

Graduado em Geografia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista

Mestre em Geografia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista

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