top of page
  • Leandro Candido

Louise Michel: maior que um homem.


Louise Michel nasceu em 1830, foi professora, escritora, periodista e poetisa. Filha ilegítima de uma empregada do Château de Vroncourt-la-Côte, em Haute Marne (França), recebeu sua educação dos avós e, aos 21 anos, tornou-se professora. No ano seguinte, recém-chegada a Paris, começou a se corresponder com Victor Hugo (1802- 1885), exilado desde o Golpe de Estado de Luís Bonaparte, em 02 de dezembro de 1851. A partir de então, Michel se engajou incansavelmente na causa feminista, na defesa de uma pedagogia laica e do federalismo como união necessária entre socialismo e anarquismo contra “o inimigo único, o capital”.

Após a “semana sangrenta”, ao final da Comuna de Paris (1871), da qual participou ativamente, foi condenada a dois anos de prisão e, posteriormente, deportada para a colônia penal da Nova Caledônia, onde trabalhou coletando lendas e cantos kanaks. Em 1878, nesse mesmo contexto, apoiou o levante dos melanésios contra seus colonizadores. Pouco depois, em 1880, “A Megera”, “A Pétroleuse” [incendiária], “O monstro de face humana”, como lhe chamava a burguesia francesa, foi anistiada podendo voltar a seu país para retomar o trabalho como professora, o qual exerceu até sua morte, em 9 de janeiro de 1905.

Em novembro de 1885, após queimar parte dos escritos que comporiam o segundo volume de suas Memórias, a poetisa revolucionária registrou em um pequeno texto (“Documento humano”, para o jornal socialista L’Égalité) uma analogia entre essa atitude e a tática de defesa contra o massacre da Comuna: “O incêndio é o refúgio dos bravos que não querem a derrota. [...] Essa pira viva deveria nos ter consumido, seria melhor do que acabar como animais no abatedouro”.

As traduções dos dois poemas que apresentamos registram momentos distintos dessa sua determinação, intransigente e sensível, na luta pela emancipação dos oprimidos. O primeiro, “Viro major”, foi escrito por Victor Hugo, logo após sua condenação em dezembro de 1871, e cujo título em latim significa “maior que um homem”. O segundo, “As rosas”, em homenagem a sua mãe falecida em 03 de janeiro de 1885, foi deixado pela autora na forma de manuscrito, integrando assim os esquemas de sua inacabada Autobiografia até a morte (1900-1904).

Para ler:

  • MICHEL, Louise. Cartas a Victor Hugo. Trad. Ana Paula Castellani. São Paulo: Editora Horizonte, 2005.

  • BATALHA, Cláudio. “Três visões da Comuna de Paris: Benoît Malon, Louise Michel e Prosper-Olivier Lissagaray”. In: BOITO JÚNIOR, Armando (org.). A Comuna de Paris da história. São Paulo: Xamã, 2001.

Para ver:

  • Memórias de Louise: leitura dramática (Hélio Muniz, com Beatriz Tragtenberg, Brasil, 2013, 90min.)

  • Louise Michel, a rebelde (Solvéig Anspach, França, 2008, 90min.)

“Viro Major” (Victor Hugo, 1871)

Tendo visto o combate e o massacre imenso,

O povo em seu tormento, Paris em seu leito,

Formosa piedade estava em suas palavras.

Fazendo o que fazem as almas libertadas

Farta de lutar, de sonhar e de sofrer,

Dizia: “eu matei” porque queria morrer.

Mentias contra ti, terrível sobre-humana.

Judite, a judia, Aria a romana

Teriam aplaudido, ouvindo teus recados.

Dizias do paiol, eu “queimei os teus palácios!”

Deste glória àquilo que se esmaga com a mão

Gritavas “Eu matei! Que me mate!” – A multidão

Escutava essa mulher altiva que se acusa.

Parecendo afagar sua própria sepultura;

Nos pálidos juízes seu olhar se fixava

Como algo das Eurinias que tão grave carregava.

De pé diante de ti, a morte estremecia

Deixando toda sala bem mais vasta e fria.

Porque o povo em sangue odeia guerra civil.

Lá fora, na cidade, o rumor então se abriu.

Vivendo a ouvir batidas tão confusas

De cima, essa mulher austera que recusa

Parecia não poder pensar em outra morte

Senão no pelourinho, fadada apoteose;

Honrando o desprezo, exaltando o suplício

Sinistra, acelerava seu caminho ao precipício.

Os juízes murmurando “Sua morte se faz justa

Ela é infame, a não ser que seja Augusta”

A consciência lhes dizia. E pensavam os juízes,

Entre o sim e entre o não, como entre dois recifes.

Hesitantes perscrutavam a culpada opressiva.

Aqueles, que como eu, te sabem impedida

De tudo o que não for heroísmo e virtude.

Acaso perguntarem, “donde vem essa atitude?”

“Da noite, onde se sofre” eles sabem que ouvirão;

“Venho do dever que deixais na escuridão!”

Eles sabem de teus versos doces, misteriosos,

Teus dias, tuas noites, os cuidados e os choros.

Ao socorrer os outros, esquecias de si mesma

Como um apóstolo, usa a palavra em labareda;

Eles sabem de você sem fogo, ar e pão,

A cama feita em tiras e madeira, sobre o chão.

A mulher do povo boa e que te orgulha

O rude entardecer dormitando em tua fúria

Olhar cheio de ódio a todos que desumanam

Aos pés dos pequeninos, calores que emanam;

Aquela mulher de nobreza toda crua

Refletindo, apesar da boca curva e dura

Apesar da maldição que avança sobre ti

Lançando-te os gritos indignos de um juiz

Apesar da voz alta, fatal que te acusa

Veem reluzir o anjo na Medusa.

Foste grande parecendo alheia a estes debates;

Porque débeis como todos que vivem aqui embaixo,

Nada confunde mais do que almas misturadas,

Do que o caos divinatório das coisas estreladas

Visto pelo fundo de um coração inclemente

É o raio que se vê no momento incandescente.

“As Rosas” (Louise Michel, 1900)

Vroncourt tinha vermelhas rosas

Com coração cheio de pó de ouro,

No verão por milhares viçosas,

Oh rosas, eu ainda vos olho.

E durante as auroras vermelhas,

As patas de um amanhecer amarelo

Aos milhares também as abelhas

Vêm ali procurar seu regalo.

Como seus mestres, as abelhas

Estão mortas, tudo tombou

Mas sempre as auroras vermelhas

Brilham onde a morte passou

Em Clermont, em minha janela

Um roseiral branco e grande,

Quando a flor se abre nos revela

Em sua carne marcas de sangue.

Minha mãe amava alvas rosas,

Era festa quando eu era capaz

De lhe enviar frescas viçosas,

Ela não as verá nunca mais.

Leandro Candido

Graduado em Ciências Sociais pela CUFSA - Fundação Santo André

Mestre em Comunicação pela USP - Universidade de São Paulo

Doutor em História pela PUC - Pontificia Universidade Católica (São Paulo)

128 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page