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A promulgação da LDB (lei 9.394/96) traz uma reforma a todo o sistema educacional do país implantando um novo currículo, uma nova estrutura organizacional e um novo sistema de avaliação, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
O objetivo primordial deste exame é avaliar os indivíduos ao final de sua escolaridade básica, buscando, traduzir os princípios e diretrizes da reforma do ensino médio. Neste sentido, o ENEM serve como um instrumento para o poder público identificar as lacunas que debilitam a formação pessoal dos indivíduos, no que tange o processo de produção da sociedade (CASTRO e TIEZZI).
O exame é constituído por uma prova objetiva e por uma redação que procura abarcar vinte e uma habilidades em cinco diferentes competências. Sendo as habilidades:
1. Compreender e utilizar variáveis.
2. Compreender e utilizar gráficos.
3. Analisar dados estatísticos.
4. Inter-relacionar linguagens.
5. Contextualizar arte e literatura.
6. Compreender as variantes lingüísticas.
7. Compreender a geração e o uso de energia.
8. Compreender a utilização de recursos naturais.
9. Compreender a água e sua importância.
10. Compreender as escalas de tempo.
11. Compreender a diversidade da vida.
12. Utilizar indicadores sociais.
13. Compreender a importância da biodiversidade.
14. Conhecer as formas geométricas.
15. Utilizar noções de probabilidade.
16. Compreender as causas e conseqüências da poluição ambiental.
17. Entender processos e implicações da produção de energia.
18. Valorizar a diversidade cultural.
19. Compreender diferentes pontos de vista.
20. Contextualizar processos histórica e geograficamente.
21. Compreender dados históricos e geográficos.
As cinco competências são divididas em:
1. Domínio de linguagens – Sendo analisadas nesta competência as habilidades: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 11, 12, 13, 14, 18.
2. Compreensão de fenômenos – Sendo analisadas nesta competência as habilidades: 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21.
3. Enfrentamento de situações-problema – Sendo analisadas nesta competência as habilidades: 1, 2, 3, 4, 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 19, 21.
4. Construção de argumentação – Sendo analisadas nesta competência as habilidades: 3, 4, 5, 6, 8, 13, 14, 15, 19, 20, 21.
5. Elaboração de propostas – Sendo analisadas nesta competência as habilidades: 3, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20.
Através destas cinco competências o ENEM pretende ampliar o entendimento sobre os limites e possibilidades dos jovens brasileiros.
Sua primeira edição ocorreu no ano de 1998, com a isenção do pagamento da taxa de inscrição para os alunos da escola pública fruto da política de democratização a todos os estudantes. O apoio das Secretarias Estaduais de Educação, das escolas de ensino médio e das instituições de ensino superior (IES) foi outro fator decisivo para o sucesso do Exame.
Foi em 2004 com a criação do ProUni (Programa Universidade para Todos) pelo Ministério da Educação, que o ENEM passou a se popularizar definitivamente por meio da concessão de bolsas de estudos vinculadas à nota no exame em instituições de ensino superior privadas.
E somente em 2009 o MEC resolveu reformular a prova de avaliação (deixando muito mais extensa) afim de utilizar a nota do Exame como parâmetro para o ingresso em Universidades Federais. Dessa maneira o principal objetivo do ENEM transformou-se em um caminho para que alunos concluintes do ensino médio possam assegurar a vaga em uma faculdade privada através do ProUni, ou até mesmo utilizar a nota para entrar em uma universidade pública.
O Enem ocupa hoje um lugar de destaque na agenda educacional brasileira pelo auxílio na reorganização e reforma do currículo do ensino médio, democratização do acesso ao ensino superior e pela melhoria da qualidade da educação básica.
IMPLICAÇÕES DO ENEM PARA O ENSINO MÉDIO
Em busca de uma análise sobre as implicações sociais e educacionais do Exame Nacional do Ensino Médio, torna-se necessário, sobretudo, a compreensão das mudanças ocorridas no exame em seus anos de ocorrência. Tais mudanças podem ser apresentadas em três períodos: O primeiro compreende a instalação do ENEM em 1998 e vai até o ano de 2004, correspondente a implementação do Prouni. No segundo período, que vai de 2004 a 2009 há uma transformação no perfil dos participantes, já que a partir de então, a prova passa a complementar o ingresso em universidades privadas do ensino superior, por meio de bolsas de estudos. No terceiro e atual período, emergente em 2009, há uma nova transformação importante, o exame torna-se mais um vestibular para o ingresso em universidades federais do que meramente uma avaliação dos conteúdos compreendidos nos ensino médio.
No primeiro momento, como já descrito neste trabalho, sendo parte integrante de um projeto maior, que eram as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394) aprovada em 1996, o exame tinha como objetivo avaliar os conteúdos compreendidos pelos alunos concluintes do ensino médio. (CASTRO & TIEZZI, 2003). Nesta fase, no contexto das políticas públicas para o Ensino Médio, o ENEM buscou atender a uma demanda antiga da fase final da educação básica brasileira, o de ser subsídio consistente do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Entretanto, representou um instrumento de avaliação do ensino médio ainda prematuro e como uma avaliação complementar e alternativa para o ingresso para os cursos superiores de algumas universidades federais. (FRANCO e BONAMINO, 1999). Um estudo interessante que abarca a análise das implicações sociais do referenciado exame no ensino médio é o de Rita de Cássia Zirondi di Nallo (2010) sobre as intervenções dos organismos internacionais na elaboração das reformas educacionais brasileiras. Para a autora o “Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)” é um exemplo das estratégias e intencionalidades da avaliação externa da educação brasileira, e da necessidade do Estado em criar índices de desempenho, sob a lógica do Estado-avaliador com modelos de responsabilização dos resultados educacionais. Neste contexto, a autora conclui que:
"Nesse modelo de avaliação, o fundamental é atingir metas, preocupando-se somente com os resultados, desligando-se das funções sociais da escola. Assim sendo, a inclusão do aluno no processo educacional, no ensino equitativo e de qualidade, deixa de ser o foco, para centralizar-se somente nos dados quantitativos da avaliação, sendo um instrumento de controle e não de inclusão." (p. 105)
Sobre as implicações psicopedagógicas referentes à realização do exame, um estudo que demonstra interesse pelo tema é o de Alice Casimiro Lopes e o de Silvia Braña López (2010). Neste estudo, as mesmas analisam os efeitos da globalização nas políticas de currículo e de avaliação. Defendendo, com base em Stephen Ball, a compreensão das políticas de currículo como formas de produção de sentidos e de significados, entende-se que uma das dimensões dessas políticas de currículo é a produção de uma cultura da performatividade, expressa, entre outras ações, pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Identifica-se que o foco desse exame é a formação do indivíduo onicompetente para a eficiência social do sistema, porém, diferentemente de outras épocas, centrado na autorregulação de suas performances.
Com base no exposto, e em linhas gerais, em seus anos de ocorrência, o ENEM mostrou-se incapaz de atender seu objetivo mais intrínseco, o de subsidiar uma análise ampla e real das necessidades que permeiam uma reforma eficaz do ensino médio brasileiro. Desta maneira, é fato compreender que uma reforma do ensino médio consistente deveria permear uma necessidade social há tempos negligenciada pelo poder político, isto é, investimentos públicos financeiros. Discursos inconsistentes não bastam para resolver um problema imenso que permeia toda história de uma nação. Entretanto, não há possibilidades para ingenuidades. O poder fala mais alto, e realiza outras ações mais eficazes para sua manutenção. Para a efetivação de uma reforma consistente é necessário, antes de tudo, uma ampla pressão, reivindicação, participação e contestação por parte da sociedade brasileira de um projeto nacional, não falacioso tal qual vem sendo imposto pelo atual governo, do sistema educacional brasileiro.
Neste cenário, temos o ENEM como uma das maiores avaliações do mundo que sequer atende os objetivos propostos inicialmente e, além de tudo, de nada serviu para estabelecer pilares desta nova reforma do ensino médio que vem sendo imposta pelo governo atual.
Ao passo que o ENEM estabelece competências e habilidades que o jovem deve desenvolver, a reforma do ensino médio contradiz estes objetivos pois oferece a oportunidade do aluno do ensino médio excluir disciplinas básicas para sua formação como cidadão.
Fica claro que esta reforma objetiva formar, única e exclusivamente, mão-de-obra para o mercado de trabalho, abstendo-se de formar um cidadão crítico e defensor de seus direitos.
O que conclui-se é que nosso principal sistema de avaliação educacional, o ENEM, aliado a atual reforma do ensino médio serve como instrumento de segregação social, pois objetiva somente o ingresso dos melhores alunos em universidades. Estes melhores alunos sempre são aqueles que tem maiores possibilidades de somente estudarem e trabalhar após formados no ensino superior. O novo ensino médio trata-se na verdade de formar mão-de-obra barata, alienada e minimamente especializada para ampla maioria, enquanto que o ensino superior será um objetivo dos alunos de classes sociais mais avantajadas.
Alan Peterson Lopes
Graduado em Geografia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista
Mestre em Geografia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista