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Sobre a Redução da Maioridade Penal

Clarice Catenaci

O debate diário sobre a questão é urgente, pois trata diretamente de nossos jovens e adolescentes, e guarda em plano de fundo um embate ideológico igualmente importante. Quando aprovamos o discurso da redução da maioridade penal, estamos aprovando (in)diretamente o quê? Em qual sociabilidade estamos sendo forjados? Que sociedade é esta que reivindica a redução da maioridade penal?

Antes de tudo, é importante ressaltar que partiremos da premissa que não existe tendência natural ao crime. Acreditar que qualquer jovem possui uma "tendência" anterior a sua existência é, no mínimo, ultrajante, para não dizer fascista, pois está se partindo do pressuposto que existem indivíduos que possuem em si, em essência, um potencial criminoso (e a história nos mostra o que esta afirmação abarca).

É de valia relembrar um ponto crucial sobre a redução da maioridade penal: diversos estudos demonstram que o emprego de punições repressivas maiores em jovens não diminuem índices de violência. Pesquisa da UNICEF[1], em 2007, aponta que nos EUA, país com maioridade penal reduzida, adolescentes que cumpriram pena em penitenciárias normais, retornaram a cometer delitos e com o agravamento de violência (o setor penitenciário estadunidense é privado e fica a questão: num sistema privado, quem lucra com o alargamento do sistema penitenciário?).

O senso comum ecoa: fala-se muito de jovens que “matam e estupram”. Entretanto, dados do IPEA[2] em 2013, demonstram que as principais infrações cometidas pelos jovens no Brasil são roubo e tráfico de drogas. 40% deles respondem por roubo, 23,5% por tráfico de drogas. As punições para estes jovens, em sua maioria, são as mais severas e não correspondem aos atos cometidos. 1,1% dos jovens presos cometeram estupro.

Em 2013, ainda segundo o IPEA, havia 23,1 mil jovens privados de liberdade, num total de 64% cumprindo medidas de internação, indicando que a aplicação da pena, não corresponde com a gravidade dos atos cometidos. Dos adolescentes presos: 66% vivem em famílias extremamente pobres, 60% são negros, e 51% não frequentavam escola na época do delito. Em síntese: quem vai preso, em sua maioria, roubou ou estava envolvido com tráfico de drogas, e esses jovens, também em sua maioria, eram negros, extremamente pobres e estavam fora da escola. Desta forma, quando aprovamos a redução da maioridade penal estamos falando “destes” jovens. Destes que serão presos “como adultos”, pois serão estes os presos, não nos enganemos que serão “outros”.

Levantemos agora as condições gerais do sistema carcerário brasileiro: os 1.598 estabelecimentos prisionais vistoriadas pelo Ministério Público[3] em 2013 possuíam capacidade para 302.422 pessoas, no entanto, acolhiam 448.969 presos, com um déficit de 48% e a superlotação foi confirmada em todas as regiões do Brasil. Ainda segundo relatório do MP, 79% estabelecimentos não separavam presos provisórios de definitivos; quase 78% não separavam presos primários dos reincidentes. Em 68% dos locais, não havia separação por periculosidade ou por delito cometido. Também de acordo com a pesquisa, quase metade não possuía cama para todos os presos e quase um quarto não possuía colchão para todos; a água para banho não era aquecida em dois terços dos estabelecimentos prisionais e não era fornecido material de higiene pessoal em 40% dos locais.

Quando pedimos a redução da maioridade penal, pedimos para submeter estes jovens a estas condições atuais. Não nos enganemos que serão “outras”. Vivemos em uma sociedade imensamente violenta, onde nos são abdicadas necessidades básicas, vivemos em um mundo de misérias - materiais, espirituais – com uma estrutura de desigualdade brutal. Temos adolescentes que não possuem nem minimamente seus direitos básicos garantidos, alimentação, proteção, higiene, moradia digna, com total ausência de serviços públicos decentes. Assim, o Estado não consegue nem minimamente suprir tais direitos, contudo, preocupa-se em tratar jovens “como adultos”.

Diante desse quadro, pensemos em todos os indivíduos que são presos no Brasil, jovens ou adultos: como funciona o sistema prisional brasileiro? Quem em sua maioria vai efetivamente preso? Em quais condições?

Ainda com as perguntas: quais medidas socioeconômicas são tomadas com estes que são privados de liberdade? Como funciona o sistema judiciário brasileiro? Quem tem acesso a um aparato/apoio judicial decente?

Um parêntese: quanto aos jovens que frequentavam a escola na época do delito cometido (49%). Que escola pública, e em qual condição, existe hoje no Brasil? Quando clamamos por “mais educação” como medida “preventiva” para diminuição da violência, estamos pedindo mais de qual? Desta que existe atualmente? Concretamente, quais projetos educacionais contrapõem ao vigente, quais instituições escolares utilizam-se destes? No âmbito político {partidário}: qual partido possui em seu plano/proposta de governo, um plano de educação que contraponha, concretamente, ao que temos hoje?

Se procurarmos a resposta para estas perguntas, chegaremos à algumas conclusões, tais como: o sistema carcerário brasileiro, em vez de recuperar e reintegrar o indivíduo, efetiva o isolamento e a exclusão. Assim, volto as minhas perguntas iniciais: quando aprovamos a redução, estamos aprovando (in) diretamente o quê? E em qual sociabilidade estamos sendo forjados? Sim, é um debate complexo e deve ser levantado cotidianamente: com matrizes históricas firmadas na exploração e na desumanização, o assunto não deve ser tratado imprudentemente.

Para saber mais:

É Disso que eu Tô Falando: https://www.youtube.com/watch?v=i-GhmFGkxU0

Quanto mais presos, maior o lucro: https://vimeo.com/96243525

O Prisioneiro Da Grade De Ferro: https://www.youtube.com/watch?v=2Oap5lUSp6w

Clarice Catenaci

Graduada em Ciências Sociais pela CUFSA - Fundação Santo André


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