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Cristina sofreu.
Sofreu para viver.
Sofreu na vida.
Sofreu em vida.
Nasceu, um punhado de células juntas, que não sabia o que lhe havia reservado a vida, apenas surgiu. Nasceu errada, com o coração torto, cheio de mágoas, de desilusões que lhe enfiaram na garganta desde a sua concepção e com um refluxo que sempre que podia, fazia jorrar um vomito doído e uma azia dantesca.
Não teve nome de inicio, a mãe Cristina, não queria saber de nomes, não queria saber de nada. Os pontos da violência doíam demais, qualquer nome para aquele ser estava bom... Virou Maria, o mais comum e significativo dos nomes.
A criança não tem um dia fora da barriga e já carrega uma mala de vida, a mãe a carrega como se fosse o peso extra que pesasse 1 tonelada de células confusas.
O pai foi mero figurante, apareceu apenas na hora do gozo, no sexo sofrido, que machucou mais que deu prazer. Não teve nome, não precisava de nome, a figuração lhe caia bem... Papel que a maioria dos homens desempenha na gravidez indesejada.
A mãe é o foco, a detentora de poder e a única que não pode exercê-lo.
Como explicar para o Estado que Cristina não quer ser mãe?
Que aberração não quer ser mãe?
Que deus, que igreja, que céu permitiria Cristina?
Tão pecadora quanto qualquer outra mulher, fonte da inacabável sedução maléfica. É o que eles a julgariam.
PUTA!
Eles a julgariam até se ela estivesse casada e com três filhos.
Maria segue suplicando, ora pelos seios da mãe fartos de leite, ora pela cólica. Segue blindada pela idade cronológica, inocente do que se espera de uma mulher pobre e periférica.
Mais uma puta.
A vida começou em agressão. Isabelle Artico
Graduanda em História pela UFG - Universidade Federal de Goiás