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  • Fábio Ribeiro e Tâmara Bringel

Voto Útil x Voto Ideológico - Uma Falsa Oposição


A eleição de 2018 parece ser a mais complexa das últimas décadas. É nítido o crescimento da participação da população nos debates sobre os candidatos que lhe representa, a despeito do grande esforço dos marqueteiros para ofuscar os projetos e ressaltar as personalidades.

Entre os métodos mais mencionados para a escolha dos candidatos, um tema que aparece com frequência é a suposta oposição entre voto útil e voto ideológico. O voto útil seria a escolha de um candidato cujas ideias não agradem totalmente ao eleitor, mas que é escolhido devido à possibilidade de ser eleito ou para evitar a vitória de um candidato opositor. O voto ideológico é aquele no qual o eleitor escolhe o candidato pelas afinidades de ideias e visão de mundo.

Pretendemos mostrar que esta oposição é falsa. No atual modelo de democracia representativa não há uma escolha eleitoral que não obedeça a um sentido prático, como também não existe voto que não seja baseado em um conjunto de ideias, sendo elas fundadas na reflexão, na emoção, na fé, ou em qualquer outro argumento.

É sempre bom ressaltarmos que vivemos em uma democracia burguesa, organização política que legitima e sustenta a exploração da maior parte da população por uma minoria. Uma eleição, neste regime, não é um livre espaço de debate e escolha de ideias, mas a escolha de projetos ou personalidades que governarão este Estado burguês durante alguns anos, sob determinadas condições sociais. Uma escolha que, por sinal, é feita de maneira desigual e, na maior parte das vezes, desonesta. Basta ver como funciona o sistema de financiamento das campanhas, a lógica do caixa dois, a influência do monopólio midiático e a organização do tempo de rádio e TV.

As eleições são apenas uma parte da disputa política diária, na qual se escolhe os mantenedores do estado, a partir das forças que conseguiram se projetar para o pleito. Aos militantes de esquerda e aos setores progressistas da sociedade, que se opõem ao modelo eleitoral e lutam por uma mudança da atual forma de organização social, cabe refletir sobre qual posição tomar diante da urna. Se lançam candidaturas, se utilizam o momento da campanha para denúncia, se abstêm, ou se apoiam um ou outro candidato de seu interesse.

Neste sentido, a posição diante das eleições é sempre prática e estratégica, nunca restrita apenas ao campo ideológico. Votar em alguém simplesmente pela afinidade de ideias de um porvir distante e imaginário é fugir totalmente do caráter concreto da política.

Quando escreveu a Ideologia Alemã (1846), Karl Marx mostrou que ideologia é falseamento da realidade, motivado pelo deslocamento das ideias do mundo real. O que poderíamos chamar de voto ideológico nos dias atuais, representa exatamente o expresso por Marx há quase duzentos anos, ou seja, o voto em ideias que não estão verdadeiramente postas à mesa hoje, mas que pertencem ao plano do desejável. Neste sentido, ao invés de voto ideológico, a verdadeira oposição ao que se chama voto útil seria o voto inútil, um voto que não tem peso ou influência concreta na disputa política real.

Quando voltamos aos últimos vinte anos, protagonizados pela hegemonia da disputa PT/PSDB, podemos afirmar que votar para a presidência no Brasil parecia mais um ato inútil, pois era certo que um dos dois projetos, bastante semelhantes em sua essência (desindustrialização do país, crescimento da dívida pública, presidencialismo de coalizão, etc.), iria governar o país. Nestes momentos, o voto nulo ou o voto em partidos de pequenas expressões eleitorais eram boas opções. De um lado para mostrar que a dita “escolha democrática” era falácia e, de outro, para dar mais visibilidade a pautas mais progressistas.

Contudo, o cenário de 2018 não é o mesmo do passado. Vivemos uma eleição que ocorre no interior de um golpe de estado e diante de uma crise profunda do capitalismo, que coloca no pleito eleitoral a possibilidade da validação popular de projetos distintos de governo: de um lado uma direita fascista e ultraliberal (Bolsonaro – Paulo Guedes); e de outro um projeto trabalhista ou socialdemocrata (Haddad ou Ciro). Ambos, obviamente, não rompem com a lógica do capital, mas, cada qual, apresenta diferenças gritantes na sua forma de execução.

Nesta eleição, o socialismo e a revolução não estão em pauta, mas apenas a escolha do terreno no qual se vai lutar nos próximos anos. Aos eleitores de esquerda cabe pensar em qual condição pretende desenvolver sua luta. Em governos progressistas, que vão bater na esquerda, mas também pedir sua ajuda, ou no outro, que vai tentar eliminá-la.

Fábio Ribeiro Graduado em Ciências Sociais pela CUFSA - Fundação Santo André Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC - Universidade Federal do ABC Tâmara Bringel Graduada em História pela CUFSA - Fundação Santo André Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC - Universidade Federal do ABC

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