O 15 de Março (15M) trouxe de volta às ruas uma multidão que não se via desde as Jornadas de Junho de 2013, tão criminalizado por diversos setores do petismo. Aliás, é importante pontuar algumas diferenças entre esses dois momentos: enquanto este último era formado mais por setores médios, jovens universitários, era pluri-ideológico e com pautas que se tornaram difusas, o 15M foi um ato da classe trabalhadora, hegemonizado por setores da esquerda e com a pauta de barrar a Reforma da Previdência. Mesmo que boicotado pela grande mídia tradicional, o ato reuniu entre 200 e 300 mil na Av. Paulista numa quarta-feira de greve parcial. Sob a direção de diversas organizações da esquerda, amplos setores da classe trabalhadora e da juventude repetiam a necessidade de uma Greve Geral para barrar a Reforma da Previdência.
O final do ato foi marcado pelo discurso de Lula (que só confirmou presença horas antes e que, portanto, não interferiu no volume do ato) que deu um tom oportunista para o momento. É importante recordar que Lula não se fez presente na luta contra o Golpe e nem contra a PEC do Fim do Mundo. Aliás, nesses 13 anos de governos sob a direção do PT, a sua base social e os movimentos sociais só foram convocados em períodos eleitorais. Alvo constante das investigações da lava-jato, Lula fez o mesmo discurso que o caracterizou como “Lulinha paz e amor”. Fez uma crítica ao Governo Temer, mas até a páginas 5. Criticou o ministro da fazenda do Golpe, Meirelles, o mesmo que foi presidente do BC no seu mandato e que ele indicou para Dilma em 2015 no lugar de Joaquim Levy (Bradesco), “mãos de tesoura”. Disse que precisamos de crescimento econômico e ampliação de crédito. Um neodesenvolvimentismo fordista (rs). É isso que o Lula nos apresenta. Não há novidade. É o mesmo programa do segundo mandato.
Em 2003, os chamados “radicais” do PT se recusaram a votar pela Reforma da Previdência dos servidores públicos apresentado por Lula. Esses radicais foram expulsos do partido e fundaram o PSOL. Os anos seguintes de governos Lula foram de ampliação dos Fundos de Pensão e de previdência privada gestada por grandes bancos. Curiosamente esses mesmos bancos são os grandes “doadores” das campanhas eleitorais de Lula e Dilma. Os bancos foram bem retribuídos e o próprio Lula reconhece isso: “Se vocês pegarem as 500 maiores empresas brasileiras, nunca ganharam tanto dinheiro como agora. Se pegarem os bancos, nunca ganharam tanto dinheiro como agora”.
Aqueles que colocam Lula como a solução para a crise costumam lembrar dos indicadores econômicos positivos que marcaram os seus dois mandatos. É necessário recordar que Lula se privilegiou de um período (2003-2008) de intenso crescimento econômico internacional, do alto preço das commodities e do chamado “efeito China” que alavancou nossas exportações, o que nos possibilitou crescentes superávits, “gordura” esta que permitiu à Lula engrossar o Bolsa Família e outros gastos sociais, sem precisar contrariar os ganhos do grande capital ou realizar qualquer reforma estrutural. Hoje o cenário internacional é muito diverso. Desde 2009 as principais economias tem sofrido seguidas recessões ou baixo crescimento, o que tem provocado redução das exportações, diminuição do investimento externo direto e consequente diminuição do orçamento público. Esse cenário impossibilita continuar os gastos sociais (Bolsa-família, expansão das universidades etc) sem contrariar interesses do grande capital e realizar reformas estruturais. Ou seja, a nostalgia romântica dos anos dourados da Era Lula só será possível se este deixar de ser o “lulinha paz e amor”. Não há mais possibilidades para o “ganha-ganha”. Diante da crescente recessão, não há espaço para a conciliação de classes.
Não há autocritica em Lula e nem no interior daqueles que alimentam o lulismo. O PT segue praticando a mesma política. Nas eleições municipais de 2016 foram praticadas as mais promiscuas alianças com partidos golpistas. O PT chegou a sugerir o apoio ao golpista Rodrigo Maia (DEM) para a presidência da câmara dos deputados. O PT também apoiou a reeleição de Picciani (PMDB) para a presidência da ALERJ e no mesmo 15M, a bancada do PT votou num tucano, Cauê Macris (PSDB), para a presidência da ALESP. Nada mais simbólico.
A figura de Lula ainda causa muito frisson no imaginário da classe trabalhadora. Devemos respeitar, ao mesmo tempo que se põe como necessidade disputar corações e mentes para um programa econômico alternativo para enfrentar à crise sob a perspectiva da classe trabalhadora e não da conciliação. Essa, na conjuntura nacional atual, já não é mais possível.
Felipe Henrique Gonçalves
Graduado em Ciências Sociais pela CUFSA - Fundação Santo André
Mestre em História pela PUC - Pontíficia Universidade Católica
Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC - Universidade Federal do ABC