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11 Características Subjacentes às Práticas Discursivas do MBL e Consortes

Thiago Lisboa

É de conhecimento comum perceber como o MBL (Movimento Brasil Livre) e seus consortes (como Arthur Moledo do Val, youtuber do canal Mamãefalei) entendem e lidam com seus oponentes políticos, principalmente aqueles que se situam à esquerda destes e à esquerda do atual espectro ideológico e político brasileiro. No entanto, não sei se alguém já se deu ao trabalho de delinear as características que enraízam, estruturam e explicam as práticas discursivas do MBL e seus seguidores, características que explicam não apenas os métodos e táticas de abordagem política e ideológica deste Movimento, como também revelam sua finalidade e essência. Se não, listarei aqui 11 destas características. Nesses termos, a análise a seguir pretende mostrar que as práticas discursivas do MBL e simpatizantes pautam-se em métodos escusos como a retórica difamatória e desmoralizadora de seus oponentes políticos através de vários elementos narrativos anti-reflexivos, elucidando ainda que tais características e métodos constituem a essência mesma do Movimento.

1) Monopólio da verdade: apenas os valores e princípios morais, políticos e econômicos defendidos pelo MBL são considerados verdadeiros. Com isso, todos os valores e princípios morais, políticos e econômicos que diferem dos do MBL são considerados falsos e, portanto, devem ser combatidos e erradicados. Nesse sentido, qualquer um que pense diferente, se oponha ou divirja do conjunto de ideias (valores e princípios) levadas a cabo pelo MBL é visto como mentiroso, equivocado e até desonesto.

2) Monopólio da bondade: a prática aqui é semelhante à do item anterior, ou seja, o Bem e o Bom são os valores e princípios defendidos pelo MBL. Com isso, todos os valores e princípios distintos ou contrários ao do Movimento representam o (ou são a encarnação do) Mal e (do) Mau. Nesse sentido, qualquer um que pense diferente, divirja ou se oponha ao conjunto de ideias (valores e princípios) defendidas pelo MBL é visto como maldoso, mau caráter e desonesto.

3) Adjetivação: dado o monopólio da verdade e da bondade, todo conjunto de ideias (valores e princípios) divergentes e contrárias às do MBL são acintosamente adjetivadas pejorativa e/ou negativamente. Esta prática expressa muito mais um juízo de valor e um moralismo exacerbado frente aos seus oponentes do que uma análise objetiva dos fatos e ideias. Se o leigo em política e ideologia concorda e partilha dos mesmos valores e princípios defendidos pelo MBL, (partilhando assim do monopólio da verdade e da bondade construídos arbitrariamente pelo Movimento) então os ataques pessoais e a difamação (ou adjetivação negativa) dos oponentes tende a ocorrer naturalmente. Nesse sentido, qualquer um que pense diferente, divirja ou se oponha ao conjunto de ideias (valores e princípios) defendidas pelo MBL é difamado e adjetivado negativamente, a exemplo do uso frequente dos termos “esquerdopata”, “esquerdalhas”, “estatistas”, “imundos” (e demais adjetivos que já indicamos anteriormente: mentiroso, maldoso, mau caráter e desonesto).

4) Teologização do discurso político: as características citadas nos itens anteriores embasam e explicam o caráter teológico (maniqueísta e polarizado) dos discursos e práticas do MBL e seus consortes. Dado o monopólio da verdade e da bondade (isto é, acreditando e aceitando que os valores e princípios defendidos pelo MBL são ou representam o Bem, o Bom e a Verdade), as ideias deste Movimento viram dogmas, ou seja, princípios que não podem (e não devem) ser questionados. Feito isso, qualquer pessoa leiga em política, mas que se considera “de bem”, tende a absorver e aceitar tais ideias como dogmas. Consequentemente, o próximo passo é o combate à todos os ideais distintos e contrários, na medida em que esse contrário representa necessariamente o Mal, o Mau e a Mentira. Com isso, o MBL e seus consortes constroem discursos políticos (e encaram a política) de maneira teológica, maniqueísta e polarizada: Bem versus Mal, Bom versus Mau, Verdade versus Mentira, Nós contra Eles, etc.

5) Narrativa binária e infantil: com base nos itens anteriores, a construção de discursos políticos pelo MBL e seus asseclas torna-se binário, ignorando assim as nuanças, a diversidade, a complexidade e a profundidade da realidade e das questões que a envolvem. Tudo passa a ser encarado como preto e branco, ignorando todos os possíveis tons de cinza existentes entre o alvinegro. Essa redução e simplificação binária da realidade (nós e eles, certo e errado, bom e mau) só pode edificar estórias de mocinhos versus bandidos, ou de heróis versus vilões. Essa narrativa binária (isto é, a maneira polarizada e simplificada como contam e explicam a realidade) é aplicada à situação concreta (isto é: à situação ética, política e econômica) do país. O resultado disso é duplo: de um lado, temos a demonização de setores adversários, geralmente setores progressistas e de esquerda (a exemplo do PT, que nem é tão de esquerda assim); de outro lado, temos a glorificação, exaltação e santificação de setores conservadores e próximos à direita (a exemplo de Sérgio Moro, considerado um herói que está salvando o país da corrupção e dos “esquerdopatas”).

Perceba que os discursos e narrativas baseadas em todas essas características simplificadoras do real adquirem um tom não só binário, maniqueísta e teológico, mas também moralizante e infantilizado: mocinhos versus bandidos, ou heróis versus vilões. As narrativas construídas pelo MBL e seus consortes são tão infantilizadas que fariam inveja às fábulas da Disney e de Hollywood: basta pensar, por exemplo: a) que Lula, Dilma, o PT e a esquerda em geral são, todos igualmente, os vilões da história; b) que a corrupção na Petrobrás é a catástrofe que dizimará o país; c) que Moro é o grande herói que esconde sua verdadeira identidade super-humana num pacato ambiente burocrático (do poder judiciário) e d) que se junta a outros heróis menores (como Deltan Dallagnol e o “Japonês da Federal”) para formar uma “Liga da Justiça” visando combater o Mal Supremo que assola nosso mundinho verde-amarelo.

Perceba com isso que todos os traços supracitados edificam narrativas infantilizadas do real. O caráter infantilizado da realidade dado por essas narrativas são de fácil absorção e compreensão por parte do público leigo em geral e, portanto, atinge milhões de pessoas, principalmente analfabetos funcionais (isto é, pessoas que possuem baixa capacidade de interpretação coerente de textos e contextos) e analfabetos políticos (isto é, pessoas que possuem baixa capacidade de interpretação coerente da realidade e contexto político).

6) Seletividade dos fatos e adequação da realidade ao discurso: dado o monopólio da verdade, todos os fatos e acontecimentos que atestam e corroboram as ideias (valores e princípios) do MBL são considerados válidos e verdadeiros, sendo portanto destacados e evidenciados em seus discursos e narrativas. Já os fatos e acontecimentos que não se enquadram (que contradizem ou ponham em xeque) os ideais a priori do movimento são considerados inválidos e não-verdadeiros, sendo portanto omitidos dos discursos e narrativas, como se não tivessem acontecido ou simplesmente não existissem. Com isso, ao invés do movimento adequar suas ideias à realidade concreta, eles fazem o inverso: dado o monopólio da verdade, parece que é a realidade que tem que se adequar ao discurso, à narrativa e à visão de mundo do Movimento. Segundo esta lógica (e com base no monopólio da verdade), o que parece estar errado é a realidade e não os ideais, narrativas e práticas do Movimento; logo, é a realidade que tem que se adequar aos ideais, narrativas e práticas do MBL, e não o inverso. Em filosofia, costuma-se chamar isso (grosso modo) de idealismo subjetivo; só que no caso específico do MBL, esse idealismo parece beirar o solipsismo. Quem já leu Hannah Arendt (e possui uma análise e uma visão um pouco mais acurada sobre os movimentos políticos ao longo da história moderna e contemporânea) sabe que todas as características citadas até o momento são inerentes à construção e adesão, por parte das massas, a regimes políticos moralizantes e totalitários.

7) Poder de difusão: outra característica peculiar deste Movimento é o poder de difusão de suas ideias na sociedade. Quando digo “poder de difusão” estou me referindo não só aos veículos utilizados para propagar as ideias e narrativas do Movimento (como twitter, facebook, youtuber, whatsapp, página na internet, jornal, etc.), mas também: a) à quantidade de “conteúdo” que se produz nesses meios e redes; b) o público-alvo atingido e c) o tipo de abordagem e interpretação dada aos fatos cotidianos (de acordo com o exposto em todos os itens anteriores).

Disse no item 5 que os discursos e narrativas são infantilizados de tal maneira que acabam atingindo milhões de pessoas devido à fácil absorção e compreensão da realidade dada pela simplificação da mesma. Isso também é um método e um poder de difusão. Uma vez que os discursos e narrativas construídas pelo MBL seguem um padrão estrutural simplificador e reducionista (isto é, infantilizado e infantilizador) da realidade, eles não são analíticos, nem reflexivos. E discursos anti-analíticos e anti-reflexivos não precisam de maturação e revisão crítica, logo, tendem a ser produzidos, reproduzidos e propagados em maior número, maior escala e com mais rapidez, de maneira estandardizada ou em massificada. Não obstante, dado que são de fácil absorção e compreensão pelo público leigo em geral, tendem a atingir mais pessoas, que por sua vez tendem a compartilhá-los em maior número e com mais frequência. Com isso, a canalização e a capilaridade dos discursos e narrativas em todos os meios sociais é enorme, o que explica seu poder de difusão.

8) Patrulhamento ideológico e militantismo: grupos políticos e ideológicos simpatizantes e ligados ao MBL acusam o PT de doutrinar e treinar militantes virtuais com o intuito de criticar e difamar adversários políticos e ideológicos. Isso é verdade, porém não apenas em relação ao PT. O MBL e sua legião de simpatizantes também usam a mesma tática, transformando as redes sociais, páginas e sites da internet em verdadeiros palcos ou campos de batalha de uma guerra ideológica virtual sem fim. Seguidores e simpatizantes do MBL não apenas se manifestam em páginas específicas dentro de seu respectivo círculo político e ideológico, como também patrulham ideológica e politicamente páginas especificamente voltadas ao público progressista e simpático às esquerdas, independente do tamanho, importância, alcance e poder de difusão destas páginas.

Recentemente publiquei o resumo deste artigo no site Esquerda Online. No dia seguinte à publicação, o artigo recebeu dezenas de comentários em defesa do MBL e, é claro, ataques à minha pessoa e à esquerda em geral. Os ataques eram carregados de falácia e difamação, atestando assim todos as características citadas em todos os itens elencados até agora. Não obstante, Isso confirma o patrulhamento ideológico e o militantismo dos simpatizantes do MBL e consortes.

9) Leitura tendenciosa da base teórica adversária: é muito comum ver vídeos e textos de integrantes do MBL e consortes (a exemplo do Instituto Liberal de São Paulo) “explicando” e “refutando teorias esquerdistas”. Nestes vídeos e textos, as “teorias esquerdistas” (principalmente as de Marx e marxistas que, diga-se de passagem, são coisas bem distintas) são “refutadas” com base em “grandes pensadores” do século XX (na verdade, trata-se apenas de alguns economistas específicos, ligados a uma específica escola de economia: a austríaca). Visando transmitir embasamento teórico, esses youtubers e articulistas costumam apresentar “o que a teoria refutada diz” e, depois, a “contradição inerente ao que ela diz”, apresentando em seguida quem identificou o problema da teoria esquerdista e, com isso, refutou-a. O que precisa ser esclarecido aqui é que, quando esses youtubers e articulistas apresentam “o que a teoria refutada diz”, o que é apresentado ao público não é um trecho da fonte primária (isto é, a passagem do livro do autor “refutado”), mas o que o refutador interpretou sobre o refutado. Tal prática, além de basear-se em informações secundárias que geralmente distorce e é passível de erro ou equivoco interpretativo por parte do “refutador”, incorre ainda na falácia do espantalho.

Vale ressaltar aqui que, geralmente, esses youtubers e articulistas “discutem” um conceito (ou uma categoria de análise) de uma teoria adversária não com base nos fundamentos e pressupostos teóricos do autor que a formulou, mas com base nos próprios pressupostos teóricos do Movimento (ou da escola teórica que eles concordam, aceitam e embasam suas ideias). Isso configura não só incomensurabilidade teórica (algo que costumamos chamar, na brincadeira, de “anacronismo teórico”) como também desonestidade intelectual. Usando uma analogia esdrúxula para elucidar melhor esse imbróglio, o que essas pessoas costumam fazer é medir a temperatura de uma pessoa com uma fita métrica e, ao mesmo tempo, medir sua altura com um termômetro, tudo isso baseado nos pressupostos da botânica (nada contra os botânicos). Isso atesta a leitura tendenciosa (e equivocada, teórica e metodologicamente) da base teórica adversária.

10) Modernismo reacionário: termo originalmente cunhado por Jeffrey Herf (e título de seu livro, no qual tece uma análise histórica das características da cultura germânica apropriadas pelo movimento nazista) o termo nos serve aqui para outra finalidade e contexto: revelar o profundo conservadorismo e anti-progressismo por trás da roupagem aparentemente nova, moderna e descolada do MBL.

Autodeclarados “liberais”, o liberalismo pregado pelo MBL e consortes não é o liberalismo historicamente revolucionário de fins do século XVII e início do XVIII (tal como o formulado por John Locke), nem o refinado e elegante liberalismo de John Stuart Mill do século XIX, e nem muito menos o liberalismo moderno do século XX (tal como o rico e profundo liberalismo político engendrado por John Rawls, que, diga-se de passagem, hoje seria considerado “esquerdista” pelo MBL, pois Rawls defende veementemente os princípios da liberdade e da igualdade, afirmando que se as desigualdades sociais e econômicas não puderem ser eliminadas, elas até podem ser toleradas, desde que contidas e minimizadas ao máximo pela sociedade e suas instituições, o que abre margem para políticas semelhantes às praticadas pelas democracias ocidentais entre as décadas de 1950 e 1960).

O liberalismo pregado pelo MBL e simpatizantes é uma mistura turva de alguns aspectos do liberalismo clássico com o ultraliberalismo de fins do século XIX e primeiro quartel do XX. Essa mistura enaltece muito mais o caráter conservador do liberalismo que seu caráter revolucionário. Dito de outro modo, apesar da crítica ao Estado e a perspectiva dos direitos individuais ter sido uma bandeira e um ato política e historicamente revolucionário do liberalismo em sua origem (pois os primeiros liberais teciam legítimas críticas às sociedades feudais e estamentais, marcadas pela servidão da plebe e privilégios aristocráticos), tais críticas ainda recaíam no conservadorismo moral da época, razão pela qual as doutrinas liberais ainda preservavam, em sua origem, traços aristocráticos e antidemocráticos. Mesmos assim, se isso não desconsidera o caráter revolucionário do liberalismo em sua origem histórica (por conta de sua crítica social ao antigo regime feudal), o mesmo não se pode dizer em relação ao ultraliberalismo de fins do século XIX e primeiro quartel do XX, que é conservador na medida em que conserva as bases da sociedade e do status quo vigente, a saber: o estado (mínimo) de direitos individuais sob o regime do livre-mercado e livre-empresa, rejeitando toda e qualquer crítica ou tentativa de ajuste ou controle governamental em relação aos excessos cometidos pela livre iniciativa empresarial no regime de mercado, daí os ataques tanto às propostas socialistas quanto ao keynesianismo e o welfare-state (que, diga-se de passagem, apesar do MBL pensar que é uma forma de esquerdismo, não supera o capitalismo, mas o conserva).

Não obstante, o liberalismo defendido pelo MBL e consortes é também muito próximo ao conjunto de valores e princípios dos movimentos neoconservadores austríaco (mais especificamente os do círculo de Viena no início do século XX) e norte-americano (mais especificamente àqueles que integraram a contracultura dos anos 1960 e 1970), dois movimentos que resgatam valores e princípios profundamente conservadores em sentido moral e ético, bem como aristocráticos e antidemocráticos em níveis político e econômico. Isso explica o porquê que, apesar de se dizerem liberais, grande parte dos integrantes e simpatizantes deste Movimento são contrários ao aborto, à legalização das drogas, à desmilitarização da polícia, aos movimentos feministas, aos direitos LGBT, etc. Isso também explica porque eles são simpáticos aos discursos de Donald Trump e família Bolsonaro, bem como ao corporativismo de João Dória, personalidades que possuem tendências altamente aristocráticas e antidemocráticas.

Ou seja, a maioria dos integrantes desse Movimento não são liberais, mas neoconservadores (ou, se preferir, neoliberais); e o fato de se autodeclararem liberais demonstra o profundo desconhecimento analítico e a desinformação histórica acerca do próprio desenvolvimento (e aperfeiçoamento) do movimento liberal ao longo da história moderna e contemporânea.

Em suma: o fato deles serem neoconservadores autodeclarados “liberais” evidencia a anedota do lobo em pele de cordeiro e, mais do que isso, o uso do termo “modernismo reacionário” emprestado de Jeffrey Herf.

11) Incitação ao ódio: junte todas as características supracitadas e construa uma narrativa para explicar as atuais crises política e econômica do país. Pronto, temos aí um discurso perfeitamente ajustado à carência, à descrença e à indignação popular diante dos descasos e desmandos nacionais em âmbito econômico, político e cultural. Em momentos de crise econômica e política generalizada (principalmente quando estas são acentuadas vertiginosamente pela mídia, por meio de reportagens tendenciosas e sensacionalistas, que também é partidária na medida em que defende interesses corporativos) é comum que o primeiro efeito ou reação coletiva seja o ódio passional, uma reação emotiva e irracional. Diante desse contexto não há discurso e narrativa que possua mais aderência (e que alimente ainda mais o ódio geral) que as produzidas e propagadas pelo MBL e seus consortes.

O que quero dizer com isso, no fundo, é que os discursos e narrativas construídas pelo MBL e consortes nada mais são do que o produto (ou o efeito) dessa crise generalizada e desse “estado de espírito” passional que vivemos atualmente. Dito de maneira mais clara e direta: todos os elementos e toda base dos discursos e narrativas do MBL e seus asseclas são passionais, irracionais, anti-analíticos e anti-reflexivos, características que se enquadram perfeitamente à visão neoconservadora da realidade e aos 10 itens citados anteriormente.

Como costuma dizer com frequência um grande amigo: “a miséria espiritual é fruto da miséria material em que vivemos, pois, de acordo com o barbudo, não é a consciência dos homens que determinam sua existência, mas o inverso”. Quando diz “miséria material” ele não está se referindo à capacidade de consumo da população, mas às relações sociais materiais em âmbito geral, estrutural e institucional, que valoriza muito mais coisas do que pessoas, que valoriza mais os objetos da criação humana do a criação humana em si mesma, e que nos tratam muito mais como meios do que fim. Portanto, trocando em miúdos, o que ele e eu queremos dizer é que todas as práticas oriundas desse movimento neoconservador que assola o país e o mundo (e do qual MBL e grupos congêneres são apenas uma parte importante e expressiva deste) são reflexos miseráveis da miserabilidade política e social que vivemos atualmente. Ou seja: se estamos no fundo do poço, MBL e sua grande legião nada mais são do que a face escura do fundo deste poço.

Diante ao exposto, espero ter contribuído com o debate. Mais do que isso, espero que estas reflexões forneçam bases para que se construa, a partir de agora, os meios para combater a irracionalidade e a miserabilidade da realidade econômica, política e intelectual de nossos dias, bem como a irracionalidade e miserabilidade política e ideológica desses atuais movimentos neoconservadores.

Adendo: críticos deste artigo, dentre eles alguns grandes e bons amigos, disseram que algumas características aqui apresentadas também podem ser identificadas em movimentos sociais de esquerda, o que não discordo. No entanto, vale ressaltar que, se algumas dessas características também podem ser identificadas nos métodos de abordagem, discursos, narrativas e práticas da esquerda, elas não se aplicam à esquerda em sua totalidade, mas apenas a alguns setores ou nichos específicos dela, a exemplo do que vem se convencionando chamar hoje de “esquerda pós-moderna”, isto é, uma ala da esquerda que tende a defender apenas minorias historicamente reprimidas (mulheres, negros, LGBTs), pautando seus discursos, práticas e lutas apenas em questões de caráter identitaristas, fragmentando o movimento classista em geral. Não obstante, vale ressaltar ainda que, por mais que algumas dessas características se apliquem a setores da esquerda, a totalidade dessas características (isto é, todas elas em conjunto e articuladas entre si) só se aplica ao MBL e consortes/simpatizantes, pois elas foram construídas com base na observação e análise empírica dos discursos e práticas destes movimentos. Assim, no ensejo de adiantar algumas possíveis objeções, uma vez que esse texto foi produzido apenas a partir das observações e análise empírica das práticas do MBL e outros grupos semelhantes, então:

  1. Acusar a esquerda em geral de portar todas as características aqui elencadas é falso;

  2. Acusar a direita em geral de portar todas as características é válido, mas pode não ser verdadeiro (dada a generalização forçada que a afirmação exige, isto é, saltar dos casos particulares analisados --- MBL e demais grupos de direita --- para a direita em geral);

  3. Acusar a esquerda em geral de portar apenas algumas dessas características é válido, mas pode não ser verdadeiro (dado que a análise foi feita a partir da observação do MBL e grupos congêneres, ligados à direita e não à esquerda);

  4. Acusar a direita em geral de portar apenas algumas dessas características é válido e verdadeiro, pelas razões apresentadas no item anterior;

  5. Acusar setores específicos da esquerda de portarem todas essas características é falso (pelas razões do item 3 aqui exposto);

  6. Acusar setores específicos da direita (como MBL e outros) de portarem todas essas características é verdadeiro (aliás, é isso o que o texto inteiro faz: mostrar que grupos específicos da atual direita possui todas essas caracteristicas);

  7. Acusar setores específicos da esquerda de portarem apenas algumas dessas características é válido, mas pode não ser verdadeiro (pois a análise foca apenas no MBL e grupos congêneres);

  8. Acusar setores específicos da direita de portarem apenas algumas dessas características é válido e verdadeiro (e este foi o objetivo deste artigo)

Espero que essas ressalvas ajudem na contextualização do imbróglio levantado. No mais, é preciso ir além dessas características e fazer um levantamento histórico do MBL e grupos congêneres, visando com isso compreender suas respectivas gênese, vínculos institucionais e bases sociais. Só então teremos condições de realizar um mapeamento mais detalhado destes movimentos neoconservadores.

Thiago Lisboa. Cientista Social especialista em História Social

Mestrando em Filosofia pela UFABC - Universidade Federal do ABC

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